No início da pandemia de Sars-CoV-19, num cenário de grandes incertezas, cientistas de todo o mundo voltaram seus esforços para a busca por soluções, numa ação coletiva sem precedentes. Em notícia da revista Nature, logo em janeiro de 2020, quando havia cerca de 7700 infectados e 170 mortos na China, mais de 50 estudos e pré-prints já haviam sido publicados.
Fazia parte deste esforço coletivo o renomado cientista, microbiologista e infectologista francês Dr. Didier Raoult que, ainda em março de 2020, durante a primeira onda da doença na Europa, publicou um estudo afirmando que a hidroxocloroquina em associação à azitromicina era capaz de curar a doença.
Referido estudo contava, inicialmente, com 42 participantes, sendo o grupo que recebeu a hidroxicloroquina composto por 26 pessoas e o grupo controle composto por 16 pessoas. Seis participantes foram excluídos por razões variadas, desde desistências como até a morte de um dos participantes, restando uma amostra de apenas 20 pacientes. Por trabalhar há muitos anos com a substância, o pesquisador sentiu-se seguro o suficiente para liberar os resultados de referido estudo clínico, mesmo com uma amostra tão diminuta.
O resultado foi: 100% de eficácia. Foi o suficiente para líderes de diversos países “abraçarem a ideia” de apresentar uma cura, a despeito das revisões por pares e orientação da própria OMS, que suspendeu todos os estudos com o medicamento em julho de 2020. Em maio de 2020, este controverso estudo já havia sido retirado do ar. O estrago, contudo, já estava feito: pessoas desesperadas foram em busca de referido tratamento, inclusive a título preventivo, o que também foi encampado por diversos profissionais da área da saúde.
Em setembro de 2020, o Dr. Raoult foi denunciado pela Sociedade de Patologia Infecciosa de Língua Francesa (SPILF), que o acusou de "promoção indevida do medicamento". Finalmente, em 19 de janeiro de 2021, pesquisador admitiu erros em seu estudo, afirmando que a hidroxicloroquina “não reduz a mortalidade no caso do novo coronavirus”. Ele ainda defende, contudo, que a droga é eficaz em algumas situações.
No entanto, um estudo conduzido pela Universidade de Oxford demonstrou que não somente a droga não é eficaz, como pode aumentar a mortalidade nos casos de COVID. Um grande estudo brasileiro chegou à mesma conclusão.
Ainda assim, o Governo Federal Brasileiro vem reiteradamente aconselhando e pressionando a médica a receitar um coquetel de medicamentos com eficácia não comprovada, tendo, inclusive, o Ministério da saúde desenvolvido um aplicativo para tal finalidade.
Após pressão da classe médica, o Conselho Federal de Medicina endereçou nota ao Ministério da Saúde, requerendo a remoção de referido aplicativo.
Conquanto a classe médica tenha reconhecida liberdade terapêutica, diante deste contexto crítico, a Isolda Lins Advocacia em Bioética recomenda que os profissionais de saúde tenham muita cautela nas prescrições off-label, devendo zelar por anotações minuciosas nos prontuários, de forma a bem fundamentar suas terapêuticas e, assim, reduzir os riscos de responsabilização ética, civil ou criminal.
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